segunda-feira, 24 de maio de 2010

LIVRO DOIS - Capítulo 19


Astrid fechou o caderno surrado de anotações. Olhou para o teto baixo do quarto de hotel. De novo, vinha aquela sensação estranha, de que a fugitiva que morava ali precisava escapar. Depois de algumas desilusões amorosas e tanto trabalho, era natural querer, sempre, estar vendo paisagens novas, novos problemas, novos desafios.

Mas outra idéia incomodava: em algum momento, em algum lugar, teria que tentar mais uma vez. E que fosse a última. Sabia que havia alguém, em algum lugar, que teria a inspiração para fazê-la feliz, merecer sua atenção.

André era um achado. Sempre apostou num brasileiro. Eles são amáveis, gentis e educados com as mulheres, frutos de uma cultura machista que escravizava as pobres nativas, mas encantava uma européia engajada.

André tinha sensibilidade e inteligência encantadoras. Senso de humor acima da média, e era quase muito bonito. Tinha mais vivência que sua idade, e tinha uma madureza jovem, um encanto.

Achava que agora tinha acertado a mão, talvez fosse a hora de fincar raízes, ter seu homem, talvez filhos... Adorava o lugar, a selva, o povo rude que tanto precisava do que ela podia dar.

Era uma e meia da tarde. Queria estar na pista lá pelas duas. Calculou que já encontraria seu namorado, ela com tudo pronto para o piquenique combinado. Levantou-se, tomou o terceiro ou quarto banho do dia, vestiu-se com roupas limpas, tomou a cesta de vime com frutas e uma garrafinha de suco de graviola, e saiu do quarto abafado. Dessa vez ia de encontro a seu destino, resolveu que ia apostar alto nesse homem quase velho, com alma quase menina... André – até de seu nome ela gostava muito.

O Land Rover enlameado mal deixava ver o logotipo do WWF colado em sua porta. Por dentro, estava pior: além da sempre presente lama amarela, restos de comida de pacote, peças de roupa e uma bota mateira esquecida por um dos rapazes. Às vezes tinha que bancar a mãe daquela turma. Como eles se comportavam mal, pareciam mais uma troupe de circo, e não ambientalistas ferozes e cientistas compenetrados...

Cinco minutos. A pista estava deserta, o ar parado, duas da tarde, tarde como qualquer outra. Esse era o dia em que sua vida estaria mudando de rumo.

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