segunda-feira, 24 de maio de 2010

Capitulo 23


Astrid não dormiu. Rolou pelos lençóis até às cinco da manhã. O tempo ainda estava ruim. Uma chuva fina, mas densa, insistiu por toda a noite e não dava sinais de trégua. Tomou banho, se vestiu e resolveu descer até o térreo, onde às seis já haveria pelo menos café para se tomar.

A equipe de socorro, que tripulava o helicóptero que carregava suas esperanças, estava hospedada no mesmo andar, e fez barulho até tarde. Isso a deixou decepcionada e sem esperanças. E o pior, podia ser que todo o dia se passasse sem que houvesse teto para a esperada operação de resgate.

Desceu e se sentou nas mesinhas já prontas para o desjejum. Serviu-se de um café e ficou rolando a xícara por entre os dedos, pensando. Foi quando viu uma movimentação diferente no balcão da recepção.

Em alguns minutos, pelo ouvido e adivinhado, percebeu que se tratavam da ex-mulher e dos filhos de André. Tinham acabado de  chegar. Estavam amarrotados, tinham pousado em Vilhena por volta da meia noite e vindo de táxi até Pimenta Bueno. O cansaço era evidente, mas estavam sedentos por informações.

Astrid se levantou, dirigiu-se a Alice com um meio sorriso e se apresentou: - Meu nome Astrid, amiga André. Sou estrangeira, falo pouco português... – Estava mais embaraçada ainda quando percebeu um olhar de ciúmes daquela mulher.

-Bom dia, somos a família de André. As buscas já podem começar?- Alice já queria deixar algumas coisas mais claras.
- Tempo ruim, tem que melhorar... – Astrid entendeu o recado. – The chopper’s still  in the airfield. – Não conseguiu evitar a mistura de línguas. – Sorry...
- Seu André está hospedado no Hotel em frente, mas é nosso conhecido também. Estamos torcendo para que tudo corra bem... – O dono do hotel tentava ser simpático. Nessa hora, todos são.
- Muito bem, vamos ficar aqui mesmo. Preciso de condução até o aeroporto, conversar com a equipe de resgate. - Alice tentava pôr os pensamentos em ordem. Aquela loura bonita podia ser um problema...
- Eles estão aqui no hotel. Estão aguardando que o tempo esteja melhor. Vou avisar que a senhora quer falar com eles. - Vamos ver se eles acordam, estiveram batendo papo até tarde, pensou o homem.

Bruno e Camilla estavam cochilando no sofá da recepção. Alice estava cansada e frustrada com as primeiras notícias. Resolveu que deveriam subir, descansar, tomar banho e se prepararem para um dia cheio. Disse ao homem do hotel que tentasse fazer o contato dela com o pessoal da equipe, nem que fosse por telefone. Ele acenou, fez uma mesura e foi cuidar do café.

Astrid viu a mulher sacudir os filhos sonolentos, pegar a bagagem e subir as escadas. Havia entendido o recado, era claro demais. Se ainda houvesse um André, ele já tinha dono, no mínimo já estava preso a uma história real e sólida. Era hora de sair de cena. Chorou baixinho, uma pequenina lágrima rolou por seu nariz viking e caiu no café já frio...

Era, agora, só uma espectadora distante, esperando o desenlace dos acontecimentos, precisando apenas da notícia do desfecho para seguir adiante com sua vida. O agenciador de cargas, Mauro, chegou todo molhado. A noite mal dormida carregava o semblante do homem. Perguntou pela equipe de resgate e fez uma careta de desespero quando soube que eles ainda estavam dormindo. Demonstrou surpresa com a informação de que a família de André já tinha chegado. Ficou andando de um lado para o outro, evitando fitar Astrid, visivelmente embaraçado.

Às dez horas, a chuva ainda persistia. O restaurante do hotel estava apinhado de curiosos. A equipe de resgate já descera para o café e foi cercada de pessoas querendo informações. Estavam lá o prefeito, o padre, o dono do bar, alguns quase-amigos do piloto desaparecido, repórteres dos dois jornais da região, e mais um monte de gente. O telefone do hotel tocava mais que o habitual. O homem na recepção estava excitado e falava sem parar.

Um dos homens da equipe, que já descera para o café, totalmente paramentado de astronauta, se levantou e falou: - Senhores, eu sou o Tenente Aviador Dantas. Somos da Unidade de Busca e Salvamento Aéreo de Vilhena e estamos aqui para tentar encontrar um piloto de um bi-motor que teria feito pouso forçado às quatorze e trinta horas de ontem, a oeste da reserva de Aripuanã, portanto a duas horas e quarenta minutos daqui. Nosso helicóptero está equipado para empreender com sucesso a operação, esperamos apenas uma melhora no tempo. Sabemos que o piloto é experiente e deve ter dado as coordenadas corretas. O pouso na selva é perigoso, mas contamos que ele tenha escolhido um lugar propício para descer. Se isso tiver ocorrido, são grandes as chances de achá-lo com vida...

Mauro, recostado em um dos sofás da recepção, não pôde deixar de perceber Alice, no alto da escada, ouvindo tudo com atenção e chorando baixinho.

O oficial da aeronáutica estava respondendo a inúmeras perguntas, a maior parte delas, repetitiva e inconveniente. Mauro percebeu que já estavam acostumados com isso e estavam até gostando.

Astrid sentiu o estômago gritando pelo excesso de café, pelo excesso de expectativa. O homem que amou por tão pouco tempo podia estar agonizando agora, precisando de um socorro que depende do capricho do tempo e do ego de pessoas que não percebem o quanto gente como André podem fazer falta a outros. Resolveu sair dali, subir ao seu quarto, deixar a chuva lavar suas esperanças, pensar na vida que queria ter depois desse dia. Com certeza a Amazônia já tinha lhe dado tudo que podia, o que lhe faltava não estava mais ali.

Assim que isso tudo acabar, vou mandar um e-mail pedindo meu deslocamento, pensou Astrid. As florestas do Canadá, a savana africana, a tundra dos Urais... Qualquer lugar menos este, que tragou o homem que ela nunca poderia ter... Recostou-se na cama desarrumada, e dormiu.

Mauro e Plínio eram agora a única platéia dos pretensos heróis. Nada mais havia para ser perguntado. Só essa: quando isso vai acabar? Mauro já estava com a boca seca, mas recusou o chimarrão encardido do Plínio, que não largava aquilo para nada. Bomba, cuia, garrafa térmica, Deus me livre de tanta tranqueira, pensou...

O hotel já tinha trocado as mesas do café da manhã e já servia o almoço. A equipe do helicóptero aguardava, vendo televisão e lambiscando. Já tinham feito alguns telefonemas e aguardavam ordens. Com certeza de um burocrata enfastiado que, certamente, não saberia interpretar a gravidade do momento.

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