Seis da manhã. O sol nasceria daí a quarenta minutos. Já estavam todos prontos. A expectativa da missão já enchera o saco de toda a equipe. O Tenente Aviador Dantas já estava louco para acabar com aquilo. O tempo agora permitiria que a busca acontecesse. A experiência dizia que dificilmente o avião seria encontrado. Um dado novo eram as coordenadas deixadas pelo piloto. Isso podia ajudar muito, ou nada, porque o avistamento dependia de que destroços tivessem ficado presos no alto das árvores.
Quando desceram ao térreo do hotel, Dantas deu ordem à equipe para que se pegasse algo para comer e fossem mastigando pelo caminho. Queria decolar junto com os primeiros raios de sol. Mandou dizer aos familiares e amigos do piloto desaparecido que esperassem no hotel. Era o mais adequado, para as circunstâncias.
A Kombi do administrador da pista já estava de prontidão. O navegador se dispôs a guiá-la, e logo estavam a caminho. Na pista, estacionaram e cercaram a incrível máquina que o destino lhes colocara nas mãos. O Bell UH-1-A Huey (o apelido é a contração da designação, em inglês) fez história nas guerras do Vietnã e Coréia. Provou ser o melhor apoio possível para a infantaria em combate. Transporte de tropas, busca e salvamento, bombardeio, reconhecimento, para qualquer tipo de missão. Uma turbina Lycoming T53-L-13, de 1400 hp tocava as apenas duas pás do rotor que fazia 50 pés de diâmetro. Era um monstro, pesava duas toneladas e meia, mas voava delicadamente. De operação complicada, era venerado pelos que tinham pego o jeito.
Na Amazônia, era a única máquina capaz de desempenhar as várias tarefas que demandava aquele inferno verde. De operações de fronteira a atendimento médico às aldeias indígenas, para tudo era perfeito.
Em quinze minutos, depois de trabalho intenso na cabine, as pás do rotor começaram a girar, o farfalhar inicial dando lugar a um furacão, e o bicho se pôs no ar.
Com o rumo nas coordenadas, que já estavam até decoradas pela longa espera, agora era esperar mais um pouco.
Cinqüenta quilômetros antes da área alvo, o piloto deu a volta para aproar o rumo da aeronave desaparecida, refazendo seus últimos minutos de vôo. Quando possível, era o procedimento mais eficaz.
Munidos de binóculos, os oficiais perscrutavam a selva trezentos metros abaixo. O navegador fez a contagem regressiva para as coordenadas do alvo. Isso significava que o objeto de busca teria se chocado com as árvores em qualquer ponto a partir dali.
Definiram que a primeira passada cobriria uma faixa com cinco milhas de comprimento. Um piloto apavorado, por mais experiente que fosse, não conseguiria voar mais do que isso.
A primeira passagem foi negativa, a volta foi cobrindo a paralela de sudeste. A nova passagem, cobrindo a paralela de noroeste, teria sete milhas de comprimento. Feita a volta, o avistamento se deu com menos de quatro minutos.
A ponta de uma das asas, que não teria mais de um metro por um metro estava reluzindo um branco surreal, refletido pela luz do forte sol do meio da manhã. Para quem só via o verde massivo da selva, o branco da pequenina porção do avião foi avistado quase simultaneamente. A animação contagiou a todos, e os sentidos se aguçaram.
Agora, no procedimento de aproximação, em círculos concêntricos, o objetivo era avaliar a situação como um todo, procurando a localização provável da fuselagem principal. O controle de Vilhena foi informado do avistamento, às nove e cinqüenta, e as aproximações foram indicando onde estava o que tinha sido a cabine do avião.
A ordem de descer o gancho pegou a equipe já preparada. Primeiro desce um homem para o reconhecimento. Pelo rádio, ele informa a situação e determina a seqüência de ações. Cinco minutos dependurado logo abaixo, o homem deu a informação de que a fuselagem estava relativamente inteira, mas enfiada de bico num emaranhado de árvores, e ainda a uns cinco metros do chão.
Dantas deu a ordem para que ele fosse ao solo, enquanto outro homem seria baixado. O que desceria agora era um para-médico. Meia hora depois, os dois homens já estavam se aprontando para escalar as árvores que tinham amparado o pássaro em seu derradeiro milagre de voar.
Dez e vinte. Os homens abaixo já tinham, num exercício de rapel, alcançado a cabine do avião. O para-médico começou a relatar a situação pelo rádio – O piloto está preso às ferragens, a porção anterior da cabine foi impactada violentamente na queda, e se fechou sobre seu tórax. Apenas sua cabeça é visível de onde estamos. A cabine está tão firmemente presa às árvores, que decidimos nos apoiar nela e chegar mais perto. – Alguns instantes se passaram. No helicóptero, todos atentos em seus postos, a concentração e a expectativa franzia o cenho de cada um. Uma eternidade depois, a voz do para-médico voltou a ressoar nos fones. - Conseguimos entrar pela porta maior, logo atrás do assento do piloto. Ele está imóvel. Não responde aos chamados. Não mais apresenta sinais vitais. – o silêncio que se seguiu era mais barulhento que a turbina e rotores – As pupilas estão dilatadas. É oficial: o piloto foi encontrado já sem vida. O pior é que parece que esteve vivo até bem pouco tempo. Aposto minha carreira de dez anos de para-médico que esse cara esteve vivo até a poucos minutos atrás. – A última frase foi dita com choro, raiva e frustração.
- Ok. Iniciar o procedimento de resgate do corpo. Registrem onze e cinco, avisem o controle Vilhena. – Todos estavam tristes. Aquilo pode acontecer mil vezes, e não se acostuma nunca. - Vamos descer mais um homem com o alicate à bateria e o equipamento de saque. Sem pressa, procedimento padrão. – Algumas profissões têm péssimos momentos. Esse era um deles, pensou Dantas.
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