Estar no ar. Melhor que voar. Minha respiração já tinha voltado ao normal, antes ainda da dela, que agora era só um delicioso ronronar. Estávamos na cabina de meu melhor amigo, cortinas quase fechadas para deixar só um pouquinho da lua entrar, o carpete sujo me pinicando a bunda descorada. Cuidei para que sua pele alva só tocasse nossas roupas amarfanhadas, estendidas, forrando o assoalho. Tive a chance de deixar este carpete limpo ainda hoje, pensei, mas quem teria adivinhado?
Lembrava-me agora de que, depois do primeiro beijo, foi difícil chegar ao avião. Tropeçávamos um no outro, beijos sôfregos e abraços apertados, eu meio tonto com tanta paixão. O que era aquele furacão de olhos verdes me desabrigando e colocando meus sentimentos ao sabor dos elementos? Por que não tinha inventado uma desculpa qualquer e ido apenas beber nos habituais e encardidos copinhos de conhaque no bar do Plínio?
No avião, assim que fechei a porta, ela me fitou nos olhos, disse que ao fazer o convite para o jantar, tinha apenas vontade de bater um papo, mas que agora ela queria mais, achava até que poderia estar se apaixonando, mencionou alguma coisa sobre um noivo que estaria esperando no Canadá, mas que já havia se casado com outra, que os seus dois últimos anos haviam se passado em selvas da Sumatra e Amazônia, e que ela estava adorando estar com este piloto desnorteado.
Na minha infância já tinha ouvido, de meninos mais velhos, orgulhosos de sua já vasta experiência sexual, advinda de bolinar as domésticas do edifício no hall do elevador, a expressão “muita areia pra meu caminhãozinho”. O corpo nu daquela mulher, enlaçado ao meu, com uma delicadeza de poema, aqueles mamilos rosáceos entre meus dedos, o perfume dela envolvendo meus sentidos, a penugem macia de seu púbis tocando minha perna ainda trêmula, me faziam pensar que aquele era o tanto exato de areia que estava faltando em minha vida. Só não me lembrava era desde quando me dava o direito de pensar em tentar de novo.
E se, ao acordar, ela dissesse que houvera um engano, que ela já estaria voltando ao Canadá, à Bélgica, a Marrakesh? O WWF estaria mandando ela e sua equipe ao Mato Grosso, ou a Calcutá. Alegria de pobre dura pouco...
Passava da meia-noite quando ela abriu preguiçosamente as pálpebras emolduradas de cílios muito claros. – Meu querido, por que não me acordou? Sei que estará voando em poucas horas e precisa estar descansado. Prometa que assim que pousar mandará me avisar, para que eu possa vir te encontrar. Trarei frutas frescas e vamos juntos ao riozinho aqui perto, ficar quietinhos ouvindo o barulho da água naquelas pedras. – Seu inglês acadêmico parecia música aos meus ouvidos. – Vamos, precisa se deitar, agora que tem compromisso com essa pobre estrangeira perdida no seu lindo país!
Vesti minha roupa amarrotada. Seu perfume insistia em estar lá. Ajudei-a descer do avião, todo educado e cuidadoso, namoramos pelo caminho de volta. Adolescentes. Mãos dadas, beijos melosos e juras de amor eterno.
À porta de seu hotel, sob a luz modesta da rua, a despedida me lembrou filmes antigos.
Duas da manhã. O cubículo e seus pertences azedos estavam me esperando para a realidade. A carruagem voltava a ser abóbora. O sonho delicioso se desvaneceu e deu lugar às preocupações com o dia seguinte.
Medo. Sempre temi ter algo nas mãos, que me fosse caro e importante, que viesse a me faltar. Isso me tirou muito da vida. Só tentei ser dono do que sabia que podia eventualmente perder. Deixei de amar quem, por capricho do destino, pudesse deixar de me amar. Medo do risco, de ter que curar feridas. Errei. Perdi muito mais deixando de amar do que se tivesse me lançado ao ar.
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