segunda-feira, 24 de maio de 2010

Capítulo 9


Morrer. O gênero homo, antes de ser sapiens, ainda no surgimento da nossa inteligência, já tinha consciência da morte. Perder parentes, e outros membros do bando, já fazia sofrer a quem ficava. Isso já a um milhão de anos atrás. A falta do ente querido era ruim, e pior era a pergunta que nunca calou: e eu, quando morrer, é só fechar os olhos e apodrecer, mais nada?

Não senhor! Muito do que fez a humanidade em sua curta história sobre nosso planeta azul foi arranjar um jeitinho de nos convencer de que a morte do corpo, inexorável, pelo tempo, doenças e violência inevitáveis, era apenas um rito de passagem para o além. Daí as crenças milenares em espíritos e deuses infalíveis e miraculosos. Todas as culturas da terra, mesmo as desenvolvidas em separado, isoladas de outras, desenvolveram crenças e religiões para nos dar uma alternativa à morte. Nos fazer pensar que o bom vem depois...

Nas aulas de catequese, às quais fui acorrentado pela minha mãe, me divertia assolando aos dedicados professores e religiosos, com perguntas do tipo: por que a igreja precisa nos convencer da existência de um inferno ardente? Por que precisamos do perdão da igreja para desopilar nossas almas desses pecados tão comuns e humanos? Porque a igreja acumulou riquezas vendendo perdão e indulgências em troca de dinheiro? Porque fomos convencidos a aceitar nossas agruras em troca de um paraíso que ninguém viu que existe? Quem disse que precisamos acreditar na vida eterna de uma alma que nem percebemos? E os coitados, embaraçados, só gaguejavam, mais nada.

Assim, apoiado nas posições agnósticas de meu pai e na malandragem de adolescente, tenho desde então tentado me achar com Deus, de quem pouco ou nada sei, de uma forma particular, e diferente das formas pré-definidas, condensadas e pasteurizadas, oferecidas pelas religiões.

Quando ainda jovem, gozando da imortalidade dos inocentes, me achava muito bom para me submeter a um Deus. Meu discurso quase ateu horrorizava minhas tias velhas. E eu me divertia com isso.

Agora, diante da possibilidade real de morrer, o primeiro pensamento é para Deus. Não o deus das religiões maliciosas e maniqueístas, que usam seus batalhões de fiéis para política ou terrorismo, ou ainda pior: para ganhar dinheiro. Não o deus de castigo, que de forma injusta impõe o sofrimento ao pobre e poupa o rico, ou o deus de ódio, instrumento de vingança, que vai derrubar meus inimigos, e ignorar o mesmo desejo deles quanto a mim, dos quais também sou inimigo.

Meu pai, em momentos de defesa acalorada de seus pontos de vista quase impublicáveis, dizia que a maior parte das vidas ceifadas prematuramente o foram no âmbito de lutas e preconceitos religiosos. E ele tinha razão, acho. Desde o êxodo bíblico, até hoje, quando o mundo está sendo assolado pela ira dos fundamentalistas islâmicos, passando pelo esmagamento de católicos ortodoxos na Rússia e de taoístas na China, onde o comunismo ateu varreu igrejas e templos, nossa história sobre a terra pode ser contada só pelos conflitos de cunho religioso. Atos pouco nobres que não justificariam quaisquer desses deuses, sempre pintados com bondade, perdão e renúncia. As Cruzadas, antes ainda da Renascença européia, se lançaram ao Oriente para tomar Jerusalém, que já era muçulmana já há sete séculos, para talvez compensar as invasões dos muçulmanos em terras mediterrâneas. Os judeus, talvez pelo pecado de ter crucificado Jesus de Nazaré, pereceram nas câmaras de gás de Hitler. Protestantes e Católicos, perseguidos uns pelos outros, vieram conviver em paz na América do Norte, e juntos, massacram quase dez milhões de navajos, sioux, cherokees e cheyennes, e outra dezena de nações indígenas. Quem entende? E pior, espanhóis em nome do trono católico de Castela, dizimaram Maias, Incas e Aztecas, em busca do ouro que até hoje adorna as igrejas de Pedro pelo mundo afora. Mas em troca desse ouro vieram as missões de catequese forçada, que ao pobre diabo do silvícola dava a opção entre morrer ou aceitar aquela matula de santos...

Achava engraçada a raiva incontida de meu pai na defesa daquelas teses. Eu sempre achei que a tragédia, sempre por motivos banais, religiosos ou não, fazia parte do ideário humano. Até hoje, acho que as coisas são como são para dar manchete às páginas policiais dos jornais.

Mais do que achar que deve subjugar, torturar e matar em nome de uma religião, e normalmente em favor apenas dos mandatários dela, e nessas alturas de seu discurso, meu pai já estava vermelho, nossa espécie de macacos pelados deve procurar e cultuar seu deus apenas para encontrar paz e tranqüilidade. E acho que ele  até tinha razão em suas idéias, só não me acostumava com sua teimosia em pensar que o mundo tinha conserto...   

O meu Deus é agora aquela parte de mim que cobra, diante da morte iminente, um balanço de meus atos durante toda minha vida. Um balancete de lucros e perdas, um relatório de danos a outros viventes. Valeu para a humanidade a minha existência? E para mim, também valeu a  pena existir?

Meia hora. É tudo que resta antes do fim. Em baixo, só mata. Lembrei-me da ecóloga Astrid. Em nosso primeiro quase encontro, ela estava no saguão de seu hotel aguardando os outros de sua equipe e estava numa discussão acalorada com um dos donos do hotel, que diante da acusação da belga de que nós tínhamos destruído a mata, retrucava desafiando-a a um sobrevôo onde constataria que de forma maioral e absoluta as matas ainda predominavam naquela região. Peguei-me pensando nas centenas de horas em que sobrevoei várias partes da Amazônia e fui obrigado a dar uma certa razão ao homem gordinho. Também concordava com a existência de um certo exagero dos sempre presentes eco-chatos de plantão. Agora, então, era só selva intocada, a perder de vista...

Existir não pode ser só estar vivo. Não é possível que um ser tão complexo e completo como um humano se dê o direito de pensar que estar vivo é o suficiente. Não é. Meu pai, sempre ele, se importou em me passar o conceito do “ser feliz é tudo”. Demorei a entender. Cheguei a pensar, ainda jovem, que felicidade era aquela coisa melosa da princesa que beijou o sapo-príncipe. Que felicidade era aquela sorte que um dia vai dar seu número, nessa loteria boba. Que o destino se encarregaria de te fazer feliz. Ou não.

E agora, no meu quase juízo final esse meu Deus, verdadeiro e denso, me pergunta, com voz de espelho mágico: sua existência te satisfez? Você foi feliz?

É a prova de que Ele me ama. Quem ama cuida. É a prova final do profundo e desperdiçado amor que meu pai me dispensou. Ele só insistiu para que me sentisse na obrigação de ser feliz. E agora estou sendo cobrado pelo Deus em que acredito.

Percebi tarde que ser feliz não é crime, nem mesmo atitude egoísta. Pelo contrário. A primeira atitude séria para ajudar seu semelhante ser feliz é mostrar a ele que você próprio o é. O seu bem-estar é pré-requisito para o bem estar do próximo. Foi aí que as religiões falharam comigo. Ao invés de me permitir construir minha felicidade, queriam me encher de pecados e culpas, e me fazer ajoelhar pedindo perdão por ser humano.

E, reconheço só agora, não fiz minha parte no trato. Ser feliz é tarefa diária, feita de detalhes e pequenas coisas. Tentar ser feliz só na hora em que se está deprimido, buscar uma dose grande e definitiva, te faz cair no engodo dos mágicos, profetas, adivinhos e traficantes. Como eu caí.

Que pena, só agora essa verdade ser claramente única. Só agora, diante de um desfecho trágico, consigo ver a pessoa plena que posso ser de agora em diante... Por minutos, talvez? É um contra-senso, agora que descobri o quanto tudo é simples e fácil.

Nem sempre foi assim. Logo que concluí o curso de piloto privado, me  descobri cheio de idéias e iniciativas, todas baseadas na pouquíssima experiência de vida até então, e que eu achava bastantes e boas para começar. Mas não era exatamente o que na média as outras pessoas pensavam. E o conflito se instalou. Naquela época, era difícil aceitar um ponto de vista diferente do meu. Todo mundo era burro! Por que vou aceitar o que me dão de ensinamento e conselho, se são todos tapados?

E para piorar, entrei numa de querer impor meus excelentes pensamentos e conclusões a esses cegos que me cercavam. E o conflito piorou. E meus argumentos já não eram tão bons, e comecei a pensar na possibilidade de estar errado. Mas não! Eu não podia estar errado. Eu sou muito bom para isso. Quer saber? Vá todo mundo à merda! Se vocês não pensam como eu, e meus motivos não os convencem, é porque vocês são um tipinho de gente que não vale a pena. E me deixem em paz! Prefiro ficar só com minha turma.

Aos vinte anos já tinha esfriado o entusiasmo com a carreira de piloto. Logo cedo vi que teria que me sacrificar muito para entrar na aviação. Tinha uma vidinha boa, os muitos cuidados e a proteção de minha mãe, dinheirinho do meu sempre atarefado pai, e assim ia levando. E tinha a turminha do posto. Aí sim, aquela era minha turma!

Mesma idade, mesmas decepções com tudo e todos, cansados de fazer cursinho,  entrava ano, saía ano, ‘tamos aí’. Passar pra quê? Convicção vocacional nenhuma, era até melhor não passar no vestibular, senão ia ser pior...Cinema no novo shopping, os que tinham um carrinho carregavam o resto da renca. Quando alguém estava meio afastado da turma, é porque estava namorando, talvez até... comendo! Será? Puxa vida, e eu que não dou essa sorte. A aviação, que era o pouco que eu sabia, era um assunto chato para meus ‘cumpadi’, fui deixando pra lá. Raramente voava, fui deixando para resolver depois. Mas, a turma estava lá, pro que der e vier. E as brigas, minha nossa! As turmas que se amontoavam em lanchonetes, praças e postos de gasolina,  viviam brigando entre si para defender a honra de membros que tinham desafetos em outras, e aí as diferenças se multiplicavam, e se tinha mais uma dezena de motivos para outras brigas, e mesmo eu sendo um cara pacato, me via sempre envolvido nessas escaramuças. Mas, tudo pela turma! No começo, três ou quatro anos antes, tudo foi sendo assimilado em nome da unidade da turma. Assim foi o cigarro, pequenos furtos e maldades, pichações e farras. Vieram também a cerveja, os destilados mais fortes e festas de embalo. E tinham as viagens, sempre em busca de uma namoradinha de ocasião, vivíamos freqüentando as praias do Araguaia, Pirenópolis e cidade de Goiás. Mas acabávamos sempre solteiros e bêbados, descontando nos pobres moradores locais a ira de sermos pouco aceitos. Maconha e LSD estavam sempre por perto e disponíveis. Mas, naquela época, com os sermões de meu pai ribombando na cabeça, sempre evitava drogas pesadas. O cigarro já era escondido, apesar de achar que meu pai sabia mas não falava para evitar mais brigas em casa.

Eu pensava que, se entrasse nessa, meus pais romperiam comigo, e eu precisava da comidinha e da roupinha lavada.

Fiquei longe de drogas por muito tempo, mas essa é outra história... Vinte e quatro minutos. O número do veado não me deu sorte. Continuava o tapete incorrupto de selva ali embaixo. Naquela loteria, a sorte estava me faltando. Voltei ao rádio, mayday, nada de novo. Ninguém podia fazer nada para evitar meu vôo suicida.

Vinte e quatro. Veado. Lembro-me da farra na escola, já aos nove, dez anos, a expectativa de saber se o número vinte e quatro na chamada cairia em algum coitado para podermos gozá-lo até o fim do ano. Viado, viado, e acho que fizemos alguns traumatizados com isso. Já adulto, poucas vezes me peguei pensando em opções sexuais, homossexualismo e outros bichos (ou bichas). Para mim, aceitar minha condição de exemplar macho da natureza, foi assim, natural. Várias ocasiões, estando sozinho, evitei e até corri de bichas e travestis. Mas, em turma, esses coitados eram nossas vítimas favoritas, êta época boa... Errado. Opção sexual não se discute ou recrimina, ela é conseqüência de fatores sociais, educacionais, culturais, biológicos e circunstanciais. E a cultura ocidental passou a aceitar o fato com mais condescendência, menos discriminação. Talvez até pela tragédia da AIDS. Hoje o assunto não me incomoda, apesar de achar essa gente barulhenta e estridente, sempre em busca de atenção.

Gostava da turma. Era nela que me refugiava das incompreensões que me assolavam. Era lá que me entendiam. Era neles que me escudava das verdades que não queria aceitar. Era com eles que eu podia conversar. Não com todos, era verdade. Um em especial, o ‘Pebinha’. Cara alto, era o melhor nas peladas de basquete. Muita espinha no rosto, era um ano mais velho que eu, vivia com a avó materna num bom apartamento da mesma rua em que morávamos.

Pebinha era o cara que cativa qualquer um. Divertido, piada para todas as horas, era meio triste quando estávamos sós. Naquela época, aos 21 anos, tentava vestibular para jornalismo. Tinha cursado um ano de matemática, tinha odiado. Os pais dele, que tinham até pouco tempo uma padaria, quebraram e foram para os Estados Unidos trabalhar. Isso tinha sido já há quase um ano. Ele e o irmão, quatro anos mais novo, tinham ido morar com a avó, diante da promessa de que logo que as coisas estivessem bem, os pais voltariam ao Brasil ou mandariam as passagens para eles irem morar lá, ou passar férias... E isso matava o Pebinha: eles voltam, nós vamos, ou voltamos, o que vai ser? Chegava a pensar que ele e o irmão eram apenas um estorvo para seus pais, que tanto queriam aproveitar essa nova chance nos EUA.

Ao longo dos anos, acompanhei várias histórias de brasileiros que emigraram para países de primeiro mundo. Principalmente para os Estados Unidos, para onde também fui por intercâmbio aos dezessete e depois, mais duas vezes, como turista.

Quando ainda imberbe e sem convicção vocacional, assisti palestra na escola apregoando as maravilhas do intercâmbio internacional de adolescentes estudantes. Gostei daquilo. Outro país, testar o inglês do CCBEU, estar longe da superproteção e chatices de minha mãe, os sermões intermináveis de meu pai... Na hora do almoço, falante e bem humorado, para espanto de todos, falei entusiasmado da possibilidade. Minha mãe chorou, meu pai gostou da idéia, tudo como sempre foi. E me ajudou a convencer minha mãe. Procurei o representante local do AFS, American Fields Service, peguei os folhetos e fichas, corri para casa. Preenchi os formulários, me descrevi como o menino que meus pais queriam que eu fosse, e esperei pela entrevista, que, dois dias depois, aconteceu sem percalços. Pausa nos estudos, se é que minha malandragem na escola pudesse ter esse nome, lá se foi o bom menino que eu não era para a cidadezinha de Plains, na Geórgia, estado do sul dos EUA.

Os Estados Unidos. O bicho-papão imperialista. Fora FMI! Fora Jimmy Carter! Passei algum tempo influenciado pela turma do Pasquim. Esquerdistas endêmicos, Jaguar, Ziraldo, Fernando Gabeira, Gilberto Gil,  Alberto Dines, Henfil, Caetano Veloso e Betinho, todos exilados e recém anistiados, me fizeram pensar que o mundo só existia para dar lugar às maldades dos norte-americanos. As brigas entre estudantes insuflados pela UNE e hordas de policiais vindos do criadouro da ditadura, me encheram de paixão. E como o nosso lado, sempre oprimido e roxo de cacetetadas, queimava bandeiras dos EUA, fiquei com o estigma gravado nos miolos.

Desembarquei nos Estados Unidos cheio de ódio, olhar vingativo. Quem eles pensam que são? Na alfândega, já estava afrontando os oficiais da imigração. Só que eles não prestaram importância alguma àquele tupiniquim cheio de acne vestido e calçado de Adidas (ah, minha mãe!), nariz em pé, chamando para a briga.

Durou pouco. Minha insanidade antiimperialista desabou diante da simpática família georgiana que me esperava no aeroporto de Atlanta. Pai, mãe, dois pirralhos de treze e uma menininha de um ano e pouco, meiga e linda. Me abraçaram e beijaram como se fosse o irmão mais velho que regressa de uma longa viagem. Me conquistaram na hora, aquela gente não poderia querer o mal nem de uma barata nojenta. O Pai, vendedor de seguros, era careca, grande e largo. Até cílios e sobrancelhas eram louríssimos. A Mãe, professora gordinha e sorridente, era só cuidados. Era mal de mãe. Sorri e abracei a todos. Até os pirralhos me receberam bem. A irmãzinha já sabia dar beijinhos e me babou todo...

Atlanta já era uma cidade linda. Estava se candidatando para as Olimpíadas, o que aconteceu quatorze anos depois. Obras gigantescas para todo lado. Auto-estradas impecáveis. Tudo muito limpo, nunca tinha visto aquilo...

Meus atenciosos Pais americanos me levaram ao restaurante do aeroporto e me empanturraram de comida. Tudo frito,  pingando gordura, até a sobremesa. Por isso essa turma engorda tanto.

Plains é uma cidade pequena, onde se planta amendoim. Casas brancas, muito verde nos jardins e parques, uma calma irritante. O orgulho de ser a terra natal do presidente Jimmy Carter estava nas fotos dele por trás das janelas e bandeiras do país hasteadas até nas tabelas de basquete. A casa onde estaria morando pelos próximos meses era de tijolos à vista e janelas muito brancas. Sem grades, sem trancas, sem muros, sem cadeados. Pensei: “ué!, não tem ladrão?”

A Geórgia foi o principal estado no lado errado da Guerra da Secessão. Os estados do norte, industrializados e liberais varreram o pensamento colonial e escravocrata dos estados do sul. Grandes fortunas agrárias se  perderam e uma nova ordem política se estabeleceu nos restos que sobreviveram à guerra. Duzentos anos foram o bastante para que este fosse o pedaço de chão que todo o resto do mundo não conseguiu ser em milênios. Assim não tem pensamento antiamericano que agüente!

A escola, pública, tinha o que eu jamais vira até nos cursinhos de griffe da minha distante Goiânia. Tudo funcionava numa ordem quieta e invisível. Tarefas comunitárias eram feitas por voluntários que brotavam não se sabia de onde, e a todo instante. Trânsito calmo e ordeiro, apesar dos carrões com motores enormes. Não se viam bares. Muitas igrejas, protestantes, principalmente.

Minha família postiça se desdobrava entre trabalho, voluntariado, tarefas domésticas e de reforma da casa. Gostava de ajudá-los e o fazia no intervalo da escola. Me deixei envolver por esse jeito tranqüilo de viver e virei fã do modo americano de ser. Ninguém se envolve pessoalmente com ninguém, as relações são superficiais no atacado, e intensas e melosas no âmbito da família. Respeito ao direito do próximo. Ninguém suja o que não vai limpar, ou se acha melhor que o vizinho porque tem um carro mais novo.

De volta ao Brasil, diante dos ainda sempre presentes protestos anti-americanos, preferi pensar que aquilo era só dor de cotovelo de um país que preferia ver a razão de suas mazelas posta nas costas de um outro que pouco tempo tinha para pensar naquele assunto...

Para meu amigo Pebinha, dizia apenas que seus Pais só estavam tentando fazer a coisa certa, que logo as coisas se arranjariam. O que eu não dizia era que para o imigrante, estar diante daquela vida melhor era causa de pensamentos antagônicos e revoltos para com o país de origem. Que seus pais, se é que já estavam adaptados, nada mais poderiam querer do que simplesmente esquecer o Brasil. O que soube depois é que só o irmão mais novo foi viver nos EUA. O Pebinha ficou marcando passo por aqui mesmo e desapareceu. Nunca mais vi. Esquisito.

Amizade é coisa para se guardar do lado esquerdo do peito. Mentira. A amizade não passou imune ao furacão humanidade. Virou moeda de troca de favores e conveniência social. Cultivam-se só as amizades que trarão algum tipo de vantagem ou visibilidade. Virou palavrão. Durante a minha vida quase miserável, fui traído mais fortemente justamente pelos que mais me chamavam de amigo. Virou coisa espúria, distante do significado, ao qual forçam românticos e alienistas. Foi por essa época que resolvi tratar a todos como amigos e impedir que fosse tratado como inimigo por algum deles. Sem envolvimentos exagerados e confidências perigosas. Isso me fez um sujeito meio azedo, mas minhas decepções foram poucas e pequenas. E o Pebinha, pra onde foi? Gostava daquele cara...

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